quarta-feira, 2 de abril de 2008

Em papel


Na cabra desta quinzena.
Isto não é uma fotografia. Aqui Woody Allen dando vida a Isaacc Davis desce uma escada ao encontro de Hemingway no papel de Tracy. E como se descesse a si mesmo para encontrar o seu “eu”, atravessa a escuridão para se juntar a Tracy, o director de design do New York Times Khoi Vinh confessa “Physically, it’s the same room, but for all intents and purposes, the characters occupy two separate spaces”.

Tudo isto sobre um naturalismo a roçar o abstraccionismo que caracteriza Manhattan. A linguagem praticada por Gordon Willis cinematógrafo é minimalista, utiliza o visual para transmitir aquilo que não é dito e como que por osmose influência o desenrolar do filme, as personagens são reféns do espaço onde se encontram, “ an artful sense of framing that treated actors and scenery alike as stark compositional images” descreve Vinh. Esta cena materializa um novo romantismo sem melodramas ou fatalismos vagos, apenas duas pessoas que vivem as suas vidas, atribuladas como são, complementando-se numa perfeição jazzistica. E os pequenos pormenores são tudo, a luz que centra Tracy e provavelmente a aquece desenha também a silhueta da sua perna mostrando-a sensual e leve, o braço que serve de apoio à sua cabeça é sinal de natural despreocupação. Isto numa construção inteligente de dois espaços distintos. Allen desce as escadas de forma tosca parecendo alheio ao espaço de Tracy, mas a verdade é que ele só as desce para ela.
Há uma mudança suave enquanto ele desce, como se esquece-se por momentos o que ia fazer e de forma natural se decidisse pela solidão ternurenta de Hemingway. O ruído e a imagem a preto e branco são decisivos nesta dialéctica minimal, pois tudo se perderia na vastidão agressiva da cor. A arte de Gordon Willis pode ser apreciada em filmes como O Padrinho, Annie Hall e Os Homens do Presidente.

Manhattan filme de 1979 de Woody Allen


ps: Agora que releio o texto mudaria varias coisas.